quinta-feira, 21 de julho de 2016

“Viver… A carne viva de viver”

A chave parecia um bichinho a saltitar nas mãos escorregadia de Manu. A fechadura, por sua vez, esquivava-se daquele objecto que se aproximava para activar o seu engenho. Acabara de chegar de uma festa de aniversário do Jonas, amigo de infância. A festa estendera-se até ao Syrius, onde dançou até amanhecer. Afinal foi apenas uma noitada que ficou para trás levando consigo a promessa de tempo eterno escondido algures numa gaveta flutuante irremediavelmente invisível. Manu, de personagem imponente da noite, passa a mero deslocado que acabou de ser cuspido para ambiente diurno, caseiro e familiar. Entra em casa esmagado pelo peso da luz do Sol. Casa, esse lugar que emana uma beatitude aos olhos de Manu que observa tudo à volta embriagado de tanto real. Esgueirou-se pelo quarto diariamente nocturno e o seu corpo em metamorfose despiu as vestes de criatura da noite. Despertou-se com o tilintar dum feixe de luz do sol que entrara por entre as cortinas, tentando passar despercebido, como acontece com a maioria dos espectáculos naturais do nosso quotidiano. Um feixe de luz em jeito de sinal divino, pensou Manu, era mesmo disso que precisava, um pedacinho amigo do astro solar em todo o seu esplendor. Não tardou, sentou-se na cama, e sentiu o conforto desse novo pensamento, uma espécie de certeza conformada da finitude da vida que é bela nas suas supostas contradições e é também uma dádiva. Afinal, o nocturno o diurno são o mesmo mundo, tal como o bem e o mal, o ying e o yang; as raízes da mesma árvore …


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