Yolanda pensava
seriamente em aventurar-se pela noite dentro com a bebé ao colo, a cabeça ia a mil a horas, não havia
outra solução, já estava decidido, ficar em casa estava fora de questão.
Eram por volta
das 19 horas de um mês de Outubro, nesses dias o tempo é fresco ao cair da
noite, mas isso não era nada. Andar pelos becos das zonas de Mindelo, numa
noite de geada seria um acto de coragem ou apenas a inconsequência de cega
paixão, o ciúme, o desespero de ser mãe só?
Algumas horas mais
cedo, Yolanda, menina de 23 anos de idade, recém-casada, mãe de uma filha de
dez meses, havia arrumado a casa, preparado o almoço, tinha brincado com filha,
sentindo-se por vezes muito feliz e, por outro lado, uma dor de saber que tal
felicidade estava marcada.
Yolanda deixara
o trabalho de doméstica porque José fazia plantão à frente do serviço dela todos os dias.
Sentia-se de tal forma pressionada que tinha de largar tudo pelo meio. Assim ela não durou em nenhum
trabalho.
Amar significaria
mesmo aguentar violência psicológica e física por parte do seu amado
companheiro? Tal questão assombrava a mente de Yolanda que desesperadamente tentava
agarrar-se à réstia de felicidade que via naquele lar, símbolo do seu sonho de
amor.
José chegou a
casa, não larga o telemóvel, bate furiosamente em Yolanda quando descobre que
ela toma pílulas anticoncepcionais, derruba a comida da mesa, toma banho,
perfuma-se e sai outra vez, como faz todas as noites à mesma hora.
As más-línguas
contaram a Yolanda que o companheiro tinha uma amante na zona da Ribeirinha.
Desta vez, Yolanda decide sair atrás do marido. Estava cansada porque o dia
tinha sido puxado mas naquele momento apenas sentia uma energia frenética que a
conduzia e podia observar de longe os passos do marido.
José, de 28 anos
de idade, homem trabalhador, admirado pelos amigos e simpático com os vizinhos,
não tardou, fez uma pausa numa tasca onde permaneceu por um instante continuando
depois o passeio sem dar conta da sua mãe d filho que o perseguia
silenciosamente. Finalmente chegou a uma casa onde parou e chamou à porta.
O coração de
Yolanda acelerou-se ainda mais quando viu que o companheiro fora atendido por
uma mulher. A dona da casa onde ele ia todas as noites. Afinal ele tinha ido
mesmo visitar a tal amante, os rumores eram verdade, pensou.
Yolanda ficou ali
à espera que ele saísse, desistiu, ele não saía. Voltou para casa, certa do que
vira, triste e apressada pois, a filha estava exposta. O caminho de casa
pareceu-lhe longe, o peso da dor no coração tornavam vagarosos os passos que
minutos atrás eram ágeis e rápidos. A noite parecia mais escura do que nunca,
havia que continuar e já se sentia petrificada. O silêncio ensurdecedor fazia
ondas ópticas no chão, a rua parecia ter começado a respirar e a mexer-se como
se tivesse vida própria. Repentinamente avistou um cãozinho castanho, mas não
deu a mínima importância. As ruas pareciam cada vez mais desertas, quando deu
por si estava sendo acompanhada por um cão maior e castanho.
Seria o mesmo
cãozinho de há pouco? Yolanda lembrou-se das histórias das “Catchorronas”
(seres sobrenaturais com aspecto de cão gigante que atacam as pessoas à noite).
A lenda dizia que o certo a fazer é meter conversa com o cão, fazendo perguntas
como.”O que fazes por aqui?” e nunca mostrar medo, caso contrário, a coisa pode
abafar uma pessoa fazendo com que ela fique “inocente” para o resto da vida.
Faltava pouco para
chegar a casa, tudo controlado, nada de medo, mas o cão havia triplicado de
tamanho. Seguindo os preceitos de segurança relativos à lenda, Yolanda
conseguiu abrir a porta sem dar as costas ao bicho. Ao entrar em casa sentiu um
bafo que entrava por baixo da porta, uma força inexplicável que a puxava para
fora e um barulho tal que parecia o desabar dum monte de pedras da calçada.
A sabedoria
popular diz que as catchorronas são os espíritos de mulheres que em algum
momento da vida fizeram aborto voluntário. Conta a lenda que a mulher que
aborta não tem paz depois de morrer, pois o seu espírito tem de ficar na terra para
pagar penitência, assim transforma-se em “catchoorrona” e tem de permanecer dessa forma até cumprir o tempo necessário para criar o filho que abortou
quando era viva.