segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Mindelo e a condição feminina, uma aproximação antropológica de António Aurélio Gonçalves (25/09/1901 – 30/09/1984)



A História da ilha de São Vicente dá conta das várias tentativas falhadas de povoamento. Desde sempre, os seus habitantes sofreram com crises económicas. No tempo áureo do Porto Grande, a maior parte da população vivia do trabalho das carvoeiras. A partir dos anos 30, o Porto Grande conheceu um declínio sem precedentes e, em 1958, as companhias carvoeiras deixaram o Porto Grande. A nível da saúde pública, em 1877, o abuso do álcool constituiu o maior problema social.

Os dados acima enumerados, demonstram os contornos estruturantes que marcaram definitivamente o sãovicentino. Em paralelo, apresentamos as passagens do autor que constituem descrições interpretativas do universo quotidiano do sãovicentino, de realçar, o sentido interventivo do autor.

“Talvez ainda vejamos a Ribeira de Julião reverdecer. São Vicente é terra de mudanças bruscas, de surpresas.” [3]161

 “São Vicente é pequeno, os prazeres são monótonos, mas esta nossa cidadezinha, bem explorada, rende. Aos domingos, pela manhã, eram mergulhos sem fim no mar da Matiota.

À tardinha, voltas também, infindáveis, na Praça Nova, gracejando com moças bonitas da época, ou então, discutindo futebol, ou mais raramente, qualquer ideia.” [4]83

“A aspereza do mato é um perigo, igualmente, o indiferentismo da vida cabo-verdiana mata as ambições intelectuais.” [5]156

“São Vicente viveu embasbacado no seu porto. Era fonte de vida. Eteno. Nada poderia enfraquecer a sua pujança. É natural: No meio da prosperidade, não nos lembramos que tudo acaba. Ele – o porto – ainda lá está. Mas a navegação que trazia que trazia vida desviou-se para outras paragens. O paquete passa largo; tem frigoríficos bem fornecidos; não compra da Ribeira de Julião, não alimenta o comércio, não deixa dinheiro. Os lavradores e desanimaram, retiraram-se.”[6] 163

Actualmente a ilha de São Vicente apresenta a maior taxa de desemprego das urbes do país. Já nos anos 70, o autor descrevia o mesmo cenário que temos diante dos nossos olhos, embora hoje em maior escala dado ao número de habitantes e de jovens em idade activa.

“A população não vive desafogada; sem contar um com o outro, tem um viver difícil. Esperam todos da cidade e da baía não dão para todos. Lutam… As mulheres “sobem” o seu cuscuz, fazem o seu giro, compram e revendem confeitarias… Mas isso tudo deixa pouco. É mais para que se não diga que uma pessoa está em fazer nada. Os homens andam pela cidade a ver se tiram um dia de serviço. Contudo resignam-se. Se há trabalho, arma-se a caldeira, acende-se o lume, come-se; se não há, assentam-se à sombra fresca dada por uma empena, visita-se o quarto de uma amiga onde haja reuniões, sonha-se com viagens ao estrangeiro e trabalho bem pago, conversa-se, joga-se dorme-se, procria-se”
.[7]Noite de vento, 24, 1970

Um estudo sobre o universo feminino em Aurélio Gonçalves, desenvolvido por Gama[8], analisa o trabalho do autor, lançando luz sobre o facto de a mulher ser a personagem mais valorizada.
“Tudo se desenrola por causa, em consequência e à volta delas, em função das suas histórias e das suas necessidades.” [9]51

“A condição feminina é pois um elemento estruturante da sociedade, não se tratando apenas de um simples tema de ficção literária, mas sim de uma substância cultural que se nutre a narrativa, ultrapassando de longe o lugar sexual do autor, destrinçando por completo o ser biológico que escreve, da escrita que produz, para representar e problematizar o mundo.” [10]

Olímplia, personagem da novela “Adeus ao vestido de baile”, em Terra da Promissão, é uma personagem que apesar de ter seguido todas as regras da doutrina de sedução mindelense para arranjar namorado (dar grandes passeios à tarde na praça nova), não conseguiu casar. “Segundo o povo, faltava-lhe o indefinível que chama e envisca, ou pode ser que ela não inspirasse confiança.”[11]

“Olímpia empregara-se e ganhava a vida sem marido” A rejeição do poder masculino e a rebelião contra os valores patriarcais faz com que essas mulheres educadas dentro dos padrões moralistas sejam consideradas à margem da sociedade.

Actualmente, organismos estatais e ONGs trabalham em sintonia no sentido de divulgar a mensagem da necessidade do empoderamento da mulher, como sendo um dos objectivos a longo prazo de desenvolvimento do país. Por exemplo, quanto à violência doméstica contra a mulher houve um avanço significativo no que toca ao poder de denúncia. Anteriormente, a formulação de uma queixa-crime junto da polícia de ordem pública não tinha utilidade relativamente à eficácia desejada. Hoje em dia, com a introdução de acções de formação junto dos agentes polícia e a criação de gabinetes de apoio às vítimas mudaram o conceito de denúncia. O acto de denunciar não só permite a resolução imediata do problema como também constitui uma medida de longo prazo para a consciencialização da sociedade do desafio a levar a cabo. Neste âmbito, houve avanços significativos apenas vencendo o silêncio contra a violência.

Mas ainda há silêncios a quebrar na questão da condição feminina, as mulheres se submetem, por vezes ao silêncio por causa da dependência económica em que se encontram. Hoje, ela trabalha fora de casa, por vezes, é chefe de família vivendo numa sociedade de moral patriarcal. Neste caso, a legitimidade do poder no homem não se verifica, há uma igualdade a nível dos fenómenos sócio-económicos. Mas os mecanismos inconscientes de resistência do sistema patriarcal sobrevivem, nas palavras, nas atitudes, nas letras das músicas, na festa, na difusão de imagens, etc. A obra de Aurélio Gonçalves dá exemplos dessa “resistência”
 O autor menciona passagens sobre festas, aludindo às “irregularidades conjugais ou sociais”.

“O baile nacional, na gíria dos boémios, era, nada mais, nada menos do que a reunião dançante que tomavam parte homens da sociedade, casados ou solteiros (ou gente com quem os primeiros já pudessem acamaradar e folgar) e raparigas do povo, escolhidas – sendo possível – entre as mais bonitas.” [12]P78
Pode-se dizer que desapareceram. Tinha ser. Não era das irregularidades conjugais ou sociais mais criticadas, mas as esposas, por via de regra, viam-no com maus olhos.

Os costumes de São Vicente, como é natural, evoluem e seria interessante – não me faltando a pachorra – pôr-me aqui a palpitar justificações. Quem sabe se a mistura de classes não levanta maiores escrúpulos actualmente, se o cabo-verdiano não rectificou a sua concepção de casamento. [13]P. 79



[1] António Aurélio Gonçalves “A visita de pêsames”, in  Terra da Promissão, Praia, Banco de Cabo Verde, p.62
[2] Idem, p.65
[3] António Aurélio Gonçalves “Lázaro”, in  Terra da Promissão, Praia, Banco de Cabo Verde, p.161

[4] António Aurélio Gonçalves “Reinaldo e suas cortesãs”, in  Terra da Promissão, 1998, Praia, Banco de Cabo Verde, p.83
5 António Aurélio Gonçalves “Lázaro”, in  Terra da Promissão, 1998, Praia, Banco de Cabo Verde, p.156
6idem, p.163
7António Aurélio Gonçalves “ Noite de Vento”, in  Noite de Vento, Praia, p.24
8António Aurélio Gonçalves “Reinaldo e suas cortesãs”, in  Terra da Promissão, Praia, Banco de Cabo Verde, p78
9 Gama, Maria João, 2009, O Universo feminino em António Aurélio Gonçalves, Lisboa,



[8] Gama, Maria João, 2009, O Universo feminino em António Aurélio Gonçalves, Lisboa,

[10] idem
[11] Idem, p.77

[13] Idem, p.79

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Filhos da luz na escuridão


Os astrónomos dizem que a luz está em extinção!!

Que a escuridão está devorando a luz.

Que os lugares escuros dominam o universo.

 O que é isso de escuridão? Que é mais do que a luz!

Esse ambiente oposto ao da "vida".

Escuridão que domina, que é maioria.

 Para nós, que brotamos e reproduzimos na luz.

Haverá tempo, espaço, que lógica para o escuro?

Essa natureza caberá no nosso entendimento?

O que é isso de escuridão?


“Uma conseqüência disso é que os pesquisadores, agora, sabem como vai acabar o Universo: ele vai crescer infinitamente, até se transformar numa insólita poeira de partículas atômicas, gelada, escura e mais rarefeita que o vácuo. É o apagão total – aquilo que vai restar quando não houver mais luz nas estrelas e até os buracos negros, os corpos mais densos e duros que existem, tiverem evaporado por completo. Os cientistas dão a esse processo o nome de “morte térmica”, causada pela tendência que têm o calor e todas as outras formas de energia de se espalhar democraticamente por todas as partes. No fim – não havendo mais centros de energia, como as estrelas –, nada mais se moverá dentro do Cosmo. Só ele mesmo, persistirá num crescimento sem fim e cada vez mais alucinante. Essa conclusão descartou de vez a possibilidade de que o Universo pudesse se expandir até certo ponto e depois começar a encolher, gradualmente.”

Fonte: Fhttp://super.abril.com.br/ciencia/muito-alem-big-bang-442240.shtml

quinta-feira, 9 de maio de 2013

As Bongas


Musica no ar.

Ao longe o barulho das ondas.

Na Baía das Gatas.

Pela estrada fora cantam as irmãs.

Doce inocência!

Risos ao vento cristalizados no tempo.

O cheiro do mar e de óleo de amendoas doces.

O doce sabor do sal na boca.

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Música no lar
Lar, o lindo sorriso da Maria Rita.

Lar, a casa das fatias douradas à tarde.

O jogo da malha do quintal.

a clarabóia do quarto cor-de-rosa.

As aventuras, os mistérios do mundo.

No Quartinho do quintal, os Baús de outras Vidas.

O eco no tempo dos sons da Varandona,

Os passeios ao Gud.
Os meninos de Fonte Cónego,

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Música no ar

O cântico da Igreja do Sr. Ramos.

A bolacha doce das Loja do Nhõ Cób, Nhô Móne...

Tempos dos melhores doces,

O laborioso Rebuçado da eterna dona Belóta.

A fresquinha de tamarindo da Dona Inácia.


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Música, o rítimo dos projectos de vida.

O  trabalho, os sonhos prometidos e os planos adiados,

As Surpresas Raras, certas.

Que futuro?

No quotidiano, a  luta e a esperança…

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Mindelo sobrenatural - Lenda de Catchorrona




Yolanda pensava seriamente em aventurar-se pela noite dentro com a bebé ao colo, a cabeça ia a mil a horas, não havia outra solução, já estava decidido, ficar em casa estava fora de questão.

Eram por volta das 19 horas de um mês de Outubro, nesses dias o tempo é fresco ao cair da noite, mas isso não era nada. Andar pelos becos das zonas de Mindelo, numa noite de geada seria um acto de coragem ou apenas a inconsequência de cega paixão, o ciúme, o desespero de ser mãe só?

Algumas horas mais cedo, Yolanda, menina de 23 anos de idade, recém-casada, mãe de uma filha de dez meses, havia arrumado a casa, preparado o almoço, tinha brincado com filha, sentindo-se por vezes muito feliz e, por outro lado, uma dor de saber que tal felicidade estava marcada.

Yolanda deixara o trabalho de doméstica porque José fazia plantão à frente do serviço dela todos os dias. Sentia-se de tal forma pressionada que tinha de largar tudo pelo meio. Assim ela não durou em nenhum trabalho.

Amar significaria mesmo aguentar violência psicológica e física por parte do seu amado companheiro? Tal questão assombrava a mente de Yolanda que desesperadamente tentava agarrar-se à réstia de felicidade que via naquele lar, símbolo do seu sonho de amor.

José chegou a casa, não larga o telemóvel, bate furiosamente em Yolanda quando descobre que ela toma pílulas anticoncepcionais, derruba a comida da mesa, toma banho, perfuma-se e sai outra vez, como faz todas as noites à mesma hora.

As más-línguas contaram a Yolanda que o companheiro tinha uma amante na zona da Ribeirinha. Desta vez, Yolanda decide sair atrás do marido. Estava cansada porque o dia tinha sido puxado mas naquele momento apenas sentia uma energia frenética que a conduzia e podia observar de longe os passos do marido.

José, de 28 anos de idade, homem trabalhador, admirado pelos amigos e simpático com os vizinhos, não tardou, fez uma pausa numa tasca onde permaneceu por um instante continuando depois o passeio sem dar conta da sua mãe d filho que o perseguia silenciosamente. Finalmente chegou a uma casa onde parou e chamou à porta.

O coração de Yolanda acelerou-se ainda mais quando viu que o companheiro fora atendido por uma mulher. A dona da casa onde ele ia todas as noites. Afinal ele tinha ido mesmo visitar a tal amante, os rumores eram verdade, pensou.

Yolanda ficou ali à espera que ele saísse, desistiu, ele não saía. Voltou para casa, certa do que vira, triste e apressada pois, a filha estava exposta. O caminho de casa pareceu-lhe longe, o peso da dor no coração tornavam vagarosos os passos que minutos atrás eram ágeis e rápidos. A noite parecia mais escura do que nunca, havia que continuar e já se sentia petrificada. O silêncio ensurdecedor fazia ondas ópticas no chão, a rua parecia ter começado a respirar e a mexer-se como se tivesse vida própria. Repentinamente avistou um cãozinho castanho, mas não deu a mínima importância. As ruas pareciam cada vez mais desertas, quando deu por si estava sendo acompanhada por um cão maior e castanho.

Seria o mesmo cãozinho de há pouco? Yolanda lembrou-se das histórias das “Catchorronas” (seres sobrenaturais com aspecto de cão gigante que atacam as pessoas à noite). A lenda dizia que o certo a fazer é meter conversa com o cão, fazendo perguntas como.”O que fazes por aqui?” e nunca mostrar medo, caso contrário, a coisa pode abafar uma pessoa fazendo com que ela fique “inocente” para o resto da vida.

Faltava pouco para chegar a casa, tudo controlado, nada de medo, mas o cão havia triplicado de tamanho. Seguindo os preceitos de segurança relativos à lenda, Yolanda conseguiu abrir a porta sem dar as costas ao bicho. Ao entrar em casa sentiu um bafo que entrava por baixo da porta, uma força inexplicável que a puxava para fora e um barulho tal que parecia o desabar dum monte de pedras da calçada.

A sabedoria popular diz que as catchorronas são os espíritos de mulheres que em algum momento da vida fizeram aborto voluntário. Conta a lenda que a mulher que aborta não tem paz depois de morrer, pois o seu espírito tem de ficar na terra para pagar penitência, assim transforma-se em “catchoorrona” e tem de permanecer dessa forma  até cumprir o tempo necessário para criar o filho que abortou quando era viva.



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Esta noite


Tudo era o teu jeito vago e perdido,

aproximei-me; olhei-te nos olhos

não vias bem, franziste o sobrolho...

Algo te chamou a atenção

mas não me viste

era apenas o repentino vento na tua face …

Continuaste em camara lenta sem olhar para trás

Não tinha voz para te chamar

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Verdade que respira



 


Verdade que respira

 

A verdade é feita de sons livres,
 
O tudo à volta, o  quotidiano,
 
O ar e as partículas invisíveis, a verdade.

A vida ao alcance do sentidos, ela ainda.

Em cada silêncio,

A veradade dura que mora no escuro,

A verdade insana que fala de ausência.

A brutalidade, aquela que fala de dureza, fria!
 
#
 
 
A verdade que conquista fala sobre unidade.

Sobre o sentido do progresso que é inato aos seres.

A verdade pura está no autocarro do mundo.

Em viagem, lado a lado, todos juntos.
 
Na bagem de cada um.
 
A verdade, ela, a alma do progresso.