sábado, 30 de outubro de 2010

Azeite em água

Quando foi que nos deixamos esquecer os nossos prazeres? Quando?
Hey, vem dança, esquece...
E atónitos a observar o solo duma rua sem nome deixamo-nos quedar ao som de uma folha esvoaçante incrivelmente leve e voa, voa com vida... Quando...?
Não é nada, quando acordares tudo fica no lugar no lugar no lugar no lugar...
Esconde-te, deixa-te ficar, amanhã tudo se resolve...
E o quando volta a pairar....
Apanhamo-nos sóbrios completamente nus e pudicamente cumprimentamo-nos como se fosse o mais corriqueiro dos dias...
Munidos de olhos que nada distinguem a rua parece interminável... Quando?
Há paredes, e nelas, letras ilógicas vociferantes que ingenuamente escondem verdades invisíveis
Não sei se é dor se é sentimento se é outra coisa qualquer..
O quando insiste, é azeite em água...

domingo, 24 de outubro de 2010

O canto da sereia

Esse país
Manuel de Novas

Bem conchê êss Mindelo pikininu

Bem conchê sabura di nôs terra

Bem conchê êss paraíso di cretchêu

ki nôs poeta canta c' o amor

na sês verse imortal criol

Kem ca conchê Mindel, ca conchê Cabo Verde


Bem disfruta morabeza ness povo franco sem igual

Li nô ca tem riquéza, nô ca tem or nô ca tem diamante

Ma no tem êss paz di Deus

ki na mundo ca tem

e êss clima sab ki Deus dano, bem conchê êss país


Manuel de Novas
Fotografia: Nick Brandt

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A memória do esquecimento


Quem se lembra que em 1917 foi criado o Museu Caboverdeano em São Vicente?

Para aqueles que não se lembram, um refresh:


« (…) Usando da autorização concedida ao Govêrno pelo artigo 87º da Constituição Política da República Portuguesa;

Hei por bem, sob proposta do Ministro das Colónias, decretar o seguinte:

Artigo 1.º É criado na cidade de Mindêlo, um museu provincial, denominado «Museu Caboverdeano», que funcionará sob a direcção da Secretaria geral do Governo da província.” “ (…) Ministério das Colónias, 28 de Setembro de 1917 – O ministro das Colónias, Ernesto Jardim de Vilhena» *


A tabela integrante do mesmo decreto publica uma primeira secção dedicada ao pessoal, que era constituído por um conservador com vencimento de categoria e vencimento de exercício (792$00 no total), um escriturário com vencimento de exercício (216$00), os serventuários com vencimentos de exercício a 40$00 diários, uma segunda secção dedicada ao material «para despesas de material, conservação e outras, etc.» (1200$00). **


Note-se a fineza da criação deste decreto; outros tempos, outros sistemas, outras políticas, outros interesses…

Se fosse num sistema de orelhas moucas e numa política de terra queimada como se verifica nos nossos tempos (do tipo: abaixo o trabalho do outro!), como seria caracterizado e valorizado o trabalho daquele conservador de 1917?


De que modo os cordelinhos mágicos esculpiriam o relatório para uma memória colectiva à maneira? Questões corriqueiras.

Não se perde nada em perguntar: Em que políticas se enquadram as decisões sobre o que valorizar? Que lógica decide o que deve ficar na nossa memória colectiva?


Porém, algumas certezas descansam serenamente nos corações dos habitantes das ilhas cabo-verdianas: Não existe disputa; “Ninguém” contestará a favor de coisa nenhuma; A História descreverá o processo, e não o homem. Estas rochas gravam todos os ecos; Nós somos meras peças do Xadrez dos Deuses…


Para terminar este pequeno texto, uma citação de Khalil Gibran: «Que pensar do boi que gosta do seu jugo e julga que o gamo e o alce da floresta são coisas perdidas e vagabundas? Que pensar da velha serpente que não é capaz de deitar fora a pele e qualifica todas as outras de nuas e despudoradas? Que direi destes, a não ser que também eles estão na luz mas de costas viradas ao Sol? Vêem apenas as suas sombras, e as suas sombras são as suas leis. E que é reconhecer as leis senão inclinar-se e traçar as próprias sombras na terra? (...)» (Extracto do poema: «As Leis», da obra O Profeta do autor Khalil Gibran)



* Decreto nº 3.406, publicado no suplemento nº 18 do Boletim Oficial nº 43 de 1917


** idem

sábado, 16 de outubro de 2010