A chave parecia
um bichinho a saltitar nas mãos escorregadia de Manu. A fechadura, por sua vez,
esquivava-se daquele objecto que se aproximava para activar o seu engenho. Acabara
de chegar de uma festa de aniversário do Jonas, amigo de infância. A festa
estendera-se até ao Syrius, onde dançou até amanhecer. Afinal foi apenas uma
noitada que ficou para trás levando consigo a promessa de tempo eterno
escondido algures numa gaveta flutuante irremediavelmente invisível. Manu, de
personagem imponente da noite, passa a mero deslocado que acabou de ser cuspido
para ambiente diurno, caseiro e familiar. Entra em casa esmagado pelo peso da
luz do Sol. Casa, esse lugar que emana uma beatitude aos olhos de Manu que observa
tudo à volta embriagado de tanto real. Esgueirou-se pelo quarto diariamente
nocturno e o seu corpo em metamorfose despiu as vestes de criatura da noite. Despertou-se
com o tilintar dum feixe de luz do sol que entrara por entre as cortinas,
tentando passar despercebido, como acontece com a maioria dos espectáculos
naturais do nosso quotidiano. Um feixe de luz em jeito de sinal divino, pensou Manu,
era mesmo disso que precisava, um pedacinho amigo do astro solar em todo o seu
esplendor. Não tardou, sentou-se na cama, e sentiu o conforto desse novo
pensamento, uma espécie de certeza conformada da finitude da vida que é bela nas
suas supostas contradições e é também uma dádiva. Afinal, o nocturno o diurno
são o mesmo mundo, tal como o bem e o mal, o ying e o yang; as raízes da mesma árvore
…