sábado, 20 de fevereiro de 2010

O CRIME E O CASTIGO

Excerto do poema "O crime e o castigo"
Autor: Khalil Gibran
...


Como o Sol é o vosso eu-divino.
Não conhece os buracos da toupeira, nem as tocas da serpente.
Mas o vosso eu-divino não habita apenas o vosso ser.

Ainda é humano muito do que há em vós,
e muito do que há em vós ainda não é humano,
mas antes um pigmeu informe que caminha adormecido no nevoeiro
em busca do seu próprio despertar.

Agora gostaria de falar do homem que há em vós.
Porque não é o vosso eu-divino,
nem o pigmeu do nevoeiro, que conhecem o crime
e o castigo do crime.

Amíude, vos tenho ouvido falar de alguém que comete um delito
como se não fosse um de nós
mas um estrangeiro e um intruso no vosso mundo.
Ora eu digo-vos que assim como nem o santo
nem o justo se podem elevar
acima do mais alto que mora em cada um de vós,
também o malvado e o débil não podem cair
mais baixo que o mais baixo que mora em cada um de vós.

E assim como nem uma só folha se torna amarela
sem o silencioso consentimento de toda a árvore,
Assim o malfeitor não pode fazer mal
sem o oculto assentimento de todos vós.
Como em procissão caminhais juntos para o vosso eu-divino.
Vós sois o caminho e sois os caminhantes.

E quando um de vós tropeça e cai,
fá-lo para precaver os que vêm atrás dele
como advertência contra a pedra do tropeço.
Sim; ele cai por aqueles que vão adiante.
e que embora ágeis e de pé seguro, não afastaram a pedra do tropeço.

E ficai sabendo, ainda que as palavras caiam pesadas nos vossos corações;
O assassinado não é irresponsável pelo seu próprio assassinato;
E o roubado não está livre dos actos do malvado,
e aquele que não tem mancha
não está limpo das acções do réu.

Mais ainda; o culpado é muitas vezes a vítima do ofendido.
E, ainda com mais frequência, o condenado é que leva a carga
em vez do irrepreensível e inocente.

Não podeis separar
o justo do injusto e o bom do mau.
Porque estão juntos à face do Sol,
como são tecidos juntos
o fio negro e o branco.

E quando o fio negro se quebra;
o tecelão examinará toda a teia e todo o tear.
Se um de vós julga a esposa infiel,
Ponha na balança o coração do marido
E meça a sua alma com cuidado.

E aquele que quiser açoitar o ofensor
olhe bem, antes, o espírito do ofendido.
E se um de vós quiser castigar em nome da rectidão
e descarregar o machado contra a árvore do mal, olhe bem antes as suas raízes.

E, por certo, encontrará as raízes do bem e do mal,
do frutuoso e do estéril,
entrelaçadas no coração silencioso da terra.
E vós, juíses que quereis ser justos
Que sentença pronunciareis contra aquele que,
embora seja honesto segundo a carne,
É ladrão segundo o espírito?

Que pena aplicareis
àquele que assassina segundo a carne,
e é ele próprio assassinado em espírito?
E como julgareis, aquele que nas suas orações
é um impostor e um tirano
mas também ofendido e ultrajado?

E como processareis aqueles cujos remorsos
são já maiores que os seus delitos?
Não é remorso a justiça administrada
por essa mesma lei que tão bem quereis servir?

Contudo, não podereis impor remorso ao inocente,
nem arrancá-lo do coração do culpado.
Espontaneamente gritará de noite
para que os homens vigiem e pensem.

E vós que sois chamados a compreender a justiça,
como podereis fazê-lo a não ser examinando
todas as questões à plena luz do dia?

Só então sabereis que o justo e o caído
são apenas o mesmo homem de pé no crepúsculo
entre a noite do seu eu-pigmeu, e o dia do seu eu divino.
E que a pedra angular do templo
não é superior à pedra mais funda dos alicerces




Khalil Gibran

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

AVISO


Aviso


Não nos venham dizer depois

que não avisámos!


Podem brandir o chicote

e arreganhar os dentes

e espumar pela boca


(são serviçais...)



Podem metê-los em prisões

cadeias nos pulsos

correntes nos pés


(são serviçais...)


Podem humilhá-los

mil vezes massacrá-los

matá-los de mil mortes


(são serviçais...)


Mas depois

não nos venham dizer

que não vos avisámos
Ovídio Martins, 1962


Poetas de poucos anos atrás descreviam assim a nossa terra...
Tão viscerais as suas descrições e... agora... tão tabus as constatações!
Tão camuflados esses sentimentos !
Agora...dissmulados dentes serrados
E subtis os ecos, as reproduções...