quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A memória do esquecimento


Quem se lembra que em 1917 foi criado o Museu Caboverdeano em São Vicente?

Para aqueles que não se lembram, um refresh:


« (…) Usando da autorização concedida ao Govêrno pelo artigo 87º da Constituição Política da República Portuguesa;

Hei por bem, sob proposta do Ministro das Colónias, decretar o seguinte:

Artigo 1.º É criado na cidade de Mindêlo, um museu provincial, denominado «Museu Caboverdeano», que funcionará sob a direcção da Secretaria geral do Governo da província.” “ (…) Ministério das Colónias, 28 de Setembro de 1917 – O ministro das Colónias, Ernesto Jardim de Vilhena» *


A tabela integrante do mesmo decreto publica uma primeira secção dedicada ao pessoal, que era constituído por um conservador com vencimento de categoria e vencimento de exercício (792$00 no total), um escriturário com vencimento de exercício (216$00), os serventuários com vencimentos de exercício a 40$00 diários, uma segunda secção dedicada ao material «para despesas de material, conservação e outras, etc.» (1200$00). **


Note-se a fineza da criação deste decreto; outros tempos, outros sistemas, outras políticas, outros interesses…

Se fosse num sistema de orelhas moucas e numa política de terra queimada como se verifica nos nossos tempos (do tipo: abaixo o trabalho do outro!), como seria caracterizado e valorizado o trabalho daquele conservador de 1917?


De que modo os cordelinhos mágicos esculpiriam o relatório para uma memória colectiva à maneira? Questões corriqueiras.

Não se perde nada em perguntar: Em que políticas se enquadram as decisões sobre o que valorizar? Que lógica decide o que deve ficar na nossa memória colectiva?


Porém, algumas certezas descansam serenamente nos corações dos habitantes das ilhas cabo-verdianas: Não existe disputa; “Ninguém” contestará a favor de coisa nenhuma; A História descreverá o processo, e não o homem. Estas rochas gravam todos os ecos; Nós somos meras peças do Xadrez dos Deuses…


Para terminar este pequeno texto, uma citação de Khalil Gibran: «Que pensar do boi que gosta do seu jugo e julga que o gamo e o alce da floresta são coisas perdidas e vagabundas? Que pensar da velha serpente que não é capaz de deitar fora a pele e qualifica todas as outras de nuas e despudoradas? Que direi destes, a não ser que também eles estão na luz mas de costas viradas ao Sol? Vêem apenas as suas sombras, e as suas sombras são as suas leis. E que é reconhecer as leis senão inclinar-se e traçar as próprias sombras na terra? (...)» (Extracto do poema: «As Leis», da obra O Profeta do autor Khalil Gibran)



* Decreto nº 3.406, publicado no suplemento nº 18 do Boletim Oficial nº 43 de 1917


** idem

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