segunda-feira, 22 de março de 2010

Partidos A e B

Homo homini lupus est
O homem é lobo para o homem
Versão cabo-verdiana


Viver em Cabo Verde significa ser de um dos partidos A ou B. Se decides pintar um quadro és sem dúvida do lado A; os do lado B reconhecem-se pelos penteados... Está tudo em compartimentos de dois. Assim ninguém se engana...
Cada um tem o seu gosto e todos são felizes por escolherem o seu lado como quem tem preferência por um determinado lado de uma cassete. E tudo está bem, quando acaba bem.

Mas como é que algo pode estar bem quando o fanatismo dita a forma de estar de um povo. Como diz Kertész, "o fanatismo dessemina o ódio, ninguém se salva nesta batalha que só tem perdedores."
O discurso do ódio em Cabo Verde a passo galopante, as palavras de ilustres e de ilustríssimos sobre assuntos aparentemente banais são automaticamente convertidos em fanatismo. E o ódio vai tomando conta de todo o tecido social...No trabalho, na rua, na Tv, no supermercado, na rádio, na discoteca, nos blogs, nos jornais on line...
Agora estão todos à espera de uma intervenção divina, ou uma espécie de raio laser para travar a violência nas ruas.

"O elelmento que as pessoas estão dispostas a repudiar é o amor e a necessidade de ser amado... Prefere-se conceber o ser humano como uma criatura cujo institinto predominante é a agressividade. Assim o próximo é não apenas um potencial ajudante, ou um objecto sexual, mas também alguém sobre o qual se pode satisfazer a necessidade de agresssividade, explorar a sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderear-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo - Homo Homini lupus est" O mal-estar da civilização, de Sigmund Freud



Ser das ilhas de Cabo Verde



A cabo-verdianidade contém no seu âmago conceptual contextos da História cabo-verdiana que começam com a descoberta e o povoamento das ilhas. Partindo duma hipótese analítica baseada no marxismo, podemos resumir que a construção conceptual da cabo-verdianidade é sustentada por três fases basilares: 1ª Fase: A dominação colonial; 2ª fase: O questionamento ou o processo de emancipação (que começa com os pré-claridosos, passando pelos claridosos e finalmente as teses independentistas); 3ª fase: A Independência e a vida pós independência. Enquanto que o senso comum diz que o sistema colonial acabou e está enterrado, a História e a Antropologia Social e Cultural afirmam que ele está presente em cada gesto do cabo-verdiano do tempo presente.
Propomos um roteiro documentário que pode espelhar uma infinitésima parte daquilo que é ser cabo-verdiano e viver nas ilhas de Cabo Verde.
Cenário 1: ano 2010 Hora de ponta, meio-dia e meia ou sete horas da tarde, é a dança urbana dos uniformes escolares: Fardas de várias cores: castanho, a azul claro, azul-escuro, verde e cinzento, cada cor uma escola secundária. Um desfile colorido com vida própria, que se repete em todas as gerações. Cada aluno com o destino traçado à partida pelo contexto e pelas decisões ou atitudes do presente. Uns passam a passo lento, outros quase a correr, uns a conversar, outros saboreando as iguarias das vendedeiras de balaio. Por vezes, entre montes de palavras soltas, ouve-se um comentário: “O professor fulano de tal ê um bom diab d inferr!” E pensamos ora com orgulho, ora apreensivos: «Esses meninos são o futuro desta terra…»
Cenário 2: Finais dos anos 70, anos 80, os primeiros anos da tomada da independência, tempo de glória e de afirmação de uma nação independente. É a altura da valorização dos cursos superiores. Legítimo, pois; durante a fase imediatamente após a independência o objectivo era munir o país de quadros superiores. O problema é que a moda do «curso» chegou e instalou-se por mais de trinta anos, de tal maneira que tomou conta das camadas subcutâneas do ADN cabo-verdiano, levando ao surgimento da cultura da sobrevalorização dos cursos superiores no país.
Cenário 3: Hoje em dia há quem abomine a designação “doutor” e chega mesmo a afirmar que em termos de quadros, o país é uma espécie de recipiente cheio de pseudos e uma fina película na borda dos que são realmente doutores, melhor dizendo, os reconhecidos ou pelo poder ou internacionalmente. Mas como chegámos a tal ponto? É que o termo doutor já passou por várias fases: inicialmente, quem tinha o grau de licenciado era com respeito designado por doutor, posteriormente essa designação passou a uma palavra corriqueira do quotidiano, e actualmente é utilizado como termo pejorativo por muito boa gente.
Cenário 4: Ultimamente, fala-se em cursos técnico-profissionais, mas para este novo paradigma é preciso investir no marketing de consciencialização da importância desse sector de ensino. Porque alguns completam o secundário da Escola Industrial e Comercial com conhecimentos de electricidade, oficina, etc e o sonho legítimo de cursar não permite a aplicação efectiva de tais conhecimentos. Outros seguem a via técnica como profissão, são bem sucedidos e, como sempre, uma minoria evolui para as empresas importantes do mercado. O ponto fraco dessa minoria é que muitas vezes seguem o mesmo modelo de monopólio típico das grandes empresas. Esses monopólios têm as seguintes características comuns: o cliente larga os seus afazeres diários, para ficar à espera durante um ou dois dias, numa fila tentando fazer um contrato e é recebido pela divindade «Atendimento» que apresenta um chicote em vez de simpatia e agilidade. Para os clientes reivindicativos, que reclamam os seus direitos, existe sempre um formulário mágico para cada tipo de reclamação. O resultado é que ele vai para casa baralhado, com uma explicação super técnica e, de tão cansado de esperar, decide embarcar no esquema. Estas são das estratégias mais conhecidas dos monopólios em Cabo Verde; trata-se duma herança colonial sobreaproveitada pela mente capitalista cabo-verdiana, um autêntico paraíso para os investidores externos. Perguntamos: como fica o desenvolvimento de um país em crescimento no meio desta salada?


segunda-feira, 15 de março de 2010

CONVITE

Caros e estimados.
Venho por este meio solicitar que me ajudem a divulgar este ideia/projecto em fase de concretização num apelo ao espírito aventureiro de todos aqueles se sentindo-se capazes e tendo disponibilidade e força de vontade, caboverdeanos ou não, se predisponham a investir 30 dias das suas vidas neste desafio onde o deserto é apenas uma ponte. Obrigado antecipadamente.
Marco Além
marcoalem@gmail.com
Procuro alma(s) aventureira(s) (m/f) para uma viagem entre Lisboa/Dakar ou Bissau em bicicleta de aproximadamente 3.000 km (até Dakar). A ideia é percorrer entre pedais e tendas países como Portugal, Espanha, Marrocos, Sahara Ocidental Mauritânia, Senegal e, possivelmente Gâmbia e Guiné Bissau. A viagem deverá ser feita a uma média de 100 km dia durante 30 dias.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Quando o chão acaba

Testemunho de uma vítima de violência doméstica
A história de Samara


O meu ex. companheiro tem problemas de adicção de álcool e crack. No início não sabia que ele tinha esses problemas, vivíamos juntos, era tudo um mar de rosas. Ele era um moço muito bonito e criativo, inteligente… Comecei a notar um comportamento suspeito, por vezes ele mostrava-se muito contente, abraçava-me no meio da rua, fazia declarações de amor em público.. Outras vezes ficava com um ar longe e desligado. As declarações de amor começaram a ficar mais escassas. Passou a ausentar-se muito, não voltava para casa depois do trabalho e quando voltava dizia que estava a tratar os seus assuntos. Comecei a pensar que ele tinha outra pessoa. Até que um dia descobri um cachimbo feito manualmente no meio de umas roupas!! Fiquei apavorada, pois sabia que aquilo era muito mau sinal. Um dia ele chegou do trabalho e convidou-me para um passeio…Quando dei por mim estava num apartamento e um dealer de pedra. Levou-me com ele de madrugada para ir comprar uma coisa muito importante para descontrair-se porque o trabalho dele estava um stress, dizia. Consumia as pedras à minha frente e contava-me histórias, eu escutava petrificada e muito triste, chegou a perguntar-me se era servida…. Imagina, eu tinha ouvido falar da pedra e aquilo parecia-me um fim do mundo. Afinal aquela história maravilhosa que estava vivendo era um castelo de cartas. O mundo desabou.



Quando ele estava sob o efeito do crack vinha a paranóia de que o eu traía, não podia falar com nenhum homem nem ficar muito íntima com amigas, quando era sob o efeito do álcool ele tornava-se violento mesmo… Apresentei queixa contra ele, por agressão física… (ainda me lembro das caras de riso contido dos polícias e dos comentários “quando forem para casa vão entender-se”). Isso acontece frequentemente com algumas vizinhas minhas e amigas que vivem nessa situação por falta escolha, porque na maior parte das vezes, quem ganha mais são os homens delas, e elas trabalham a cuidar dos filhos, da casa, lavando roupas em outras casas…
Se neste momento estou livre das loucuras do meu ex. companheiro, não é pela acção da justiça, o consumo do crack levou-o a cometer vários crimes de roubo e, para fugir às consequências judiciais, ele decidiu passar uns tempos noutra ilha, aos poucos deixei de atender os telefonemas dele, arranjei outro companheiro e foi assim que me livrei dele.

Olha, um copinho de grogue custa 20$00, uma pedra de crack custa 200$00, às vezes pode ser mais caro ou mais barato, o acesso a esses produtos é cada vez mais fácil. Estão até nas portas das escolas, cada dia há mais meninos nessa situação e são cada vez mais novos. Quando vão para a escola as famílias já problemáticas ficam aliviadas por terem mais um para a escola cuidar. Mas na escola são tantos dentro de uma turma, mais de trinta para um só professor, por isso, passam despercebidos, cedo descobrem que estão por sua conta.

terça-feira, 2 de março de 2010

ALGUÉM AVISOU AS RABIDANTES?

Primeiros meses de 2010...

Este mar que nos liga e isola do mundo e que definitivamente nos separa uns dos outros não é nada face à unidade que sentimos agora em relação às mudanças climáticas. Credo! Tivemos um Carnaval mesmo calorento! Quem trajou as vestimentas menos pudicas, não sentiu o ventinho fresco e incomodativo (com todo o respeito à mãe Natureza) dos anos anteriores. Enfim!!! Funciona como que um descontrolo de fuso horário, a temperatura nos relembra o Verão. Mas é um Verão que sabe a artificial, sem o cheiro a mangas de terra, sem as caras novas típicas das férias. Um Verão em que os meninos ainda usam as fardas escolares...


Os meteorologistas responsáveis não avisaram às rabidantes que não era preciso trazerem casacos de peles sintéticas. Que mais não avisaram?


Agora sim, o medo começa a instalar-se mesmo. Hoje em dia , os pensamentos estapafúrdios e absurdos das noites de insónias voluntárias ou involuntárias, passíveis de ocorrer a um cabo-verdiano, incluem também solucionar mentalmente o problema: tsunami em Cabo Verde, que tipo de abrigos construir? Se as ondas tiverem mais de duzentos metros não é preciso pensar em soluções, ficaremos reduzidos ao que sempre fomos (dos restos da Atlântida perdida), numa versão mais molhada .


Mas se as ondas forem menos de duzentos metros, teremos de pensar em construção de abrigos, e se a insónia for daquelas ferradas, o pensamento vai mais longe, já estaremos a resolver problemas geológicos e matemáticos inventando inclusive fórmulas inéditas sobre como sobreviver aos desabamentos, aos esgotos a céu aberto, e por aí adiante...

As nossas tropas serão suficientes? Com a unidade climática, em vez de ajuda externa passaremos a ter ajuda interna. Ela chegará a todas as vítimas das mudanças climáticas mundiais?